Texto produzido para a Jornalismo Júnior, empresa júnior de jornalismo vinculada à ECA-USP. Publicação original aqui.
‘Get Up’, novo EP de NewJeans: levanta e dança!
Elementos de ritmos Club harmonizam com o K-Pop e revelam inspirações na música eletrônica negra, que ajudam a furar a bolha sul-coreana
O grupo sul-coreano NewJeans tem conquistado fãs fora da cena do K-Pop nos últimos meses. A boa recepção pelo público geral pode ter relação com a inovação que as cantoras e os produtores trazem para o gênero musical, investindo em ritmos mais familiares para os ouvintes do ocidente, sem deixar de lado a roupagem de girl group Pop. Tudo isso fica evidente no mais novo EP lançado pelas artistas, Get Up (2023).
Desde o primeiro EP — que também leva o nome de NewJeans — o grupo chama atenção pela exploração de novos ritmos, mas também pelas marcas de reprodução semelhantes às de grupos já consagrados, mesmo tendo debutado há pouco mais de um ano. As cantoras conquistaram All-Kills — termo usado para quando uma música alcança o primeiro lugar dos principais rankings musicais da Coreia do Sul, contabilizados por hora reproduzida. Um All-Kill é caracterizado como Perfect All-Kill quando o destaque no ranking dura uma semana, e a faixa Ditto (2022), do primeiro álbum da banda, quebrou o recorde de PAK mais duradouro da história, superando Dynamite (2020) do aclamado grupo BTS. Já Super Shy, do novo EP, também atingiu um PAK e se tornou o videoclipe mais assistido do grupo, com um crescimento médio de um milhão de visualizações por dia desde o lançamento em 6 de julho de 2023.
Outro feito notável que ajuda a entender a diversidade musical das produções foi a entrada de Ditto e Super Shy nos rankings musicais do Reino Unido, marca conquistada por mais um outro único grupo feminino de K-Pop, BLACKPINK, mas que NewJeans conseguiu em um intervalo menor de tempo. A sonoridade de ambas as faixas justifica a popularidade no território, já que pertencem a gêneros da música eletrônica britânica e do Breakbeat, cujos elementos também se repetem em outras músicas do grupo.
Mas o que é Breakbeat?
O nome Breakbeat é um termo guarda-chuva que engloba os gêneros da música eletrônica que possuem breaks de bateria na construção sonora. A tradução literal de break é quebra, e breaks de bateria eram justamente os trechos das faixas de Soul e Funk que quebravam o andamento da música, instaurando um momento em que só a percussão tocava.
No início do Hip-hop, o break era principalmente a deixa para os dançarinos performarem nas festas — prática que originou o nome breakdance —, mas, com o advento da cultura do sample na produção musical, ele se popularizou: músicas como Amen, Brother (1969), de The Winstons, e Funky Drummer (1970), de James Brown, juntas tiveram seus breaks reutilizados em cerca de 7000 outras produções, segundo dados do site WhoSampled.
Dentre os gêneros incluídos nessa categoria estão Drum ‘N’ Bass, Garage, Jersey Club e o Baltimore Club: todos esses presentes no EP Get Up.
O álbum foi feito por três principais produtores: Jinsu Park, Frankie Scoca e 250, e é interessante notar como as influências de cada um se refletem nas respectivas produções. Enquanto a dupla Park e Scoca olha mais para referências do Reino Unido, 250 deixa claro que suas inspirações estão na música club estadunidense, além do Rap e R&B.
A convergência de tais fontes de inspiração é o fato de todos serem estilos de origem negra, o que reforça uma tese de que a indústria do K-Pop tem na black music um de seus principais moldes. Apesar disso, a relação da Coreia do Sul com a comunidade negra é problemática e levanta acusações de apropriação cultural e racismo na indústria do pop sul-coreano.
Por trás das faixas
O EP se inicia com as duas músicas presentes no single de lançamento da nova fase do grupo. A primeira, New Jeans, é um UK Garage em que as integrantes cantam sobre novos inícios, novas estéticas e novas perspectivas, e, portanto, não poderia estar em posição mais adequada no álbum. Já Super Shy acelera o ritmo em um Drum ‘N’ Bass que equilibra a agressividade da percussão com a melodia de teclado reverberada que traz uma atmosfera leve e conversa com a letra, que fala sobre a timidez dentro de um romance.
Há uma peculiaridade nas duas primeiras faixas, que envolve o videoclipe de uma delas, a sonoridade da outra e também a capa do álbum. A ilustração que apresenta o EP é uma releitura do clássico desenho animado As Meninas Superpoderosas (1998 – 2005), e cada integrante é representada como uma das personagens. Essa referência está novamente presente no MV de New Jeans, que traz cenas que misturam diferentes técnicas de animação e elementos da cultura da internet, como simulações de videogames e até mesmo gravações do próprio processo de criação.
Tudo isso fica ainda mais interessante quando se descobre que o sample principal de Super Shy é exatamente o mesmo trecho utilizado na música tema do desenho do Cartoon Network — o já citado Funky Drummer de James Brown. O músico Jarred Jermaine apontou a semelhança em um vídeo que ajuda a entender a comparação.
A bateria característica do Jersey Club — que pode ser ouvida em múltiplas faixas da discografia do grupo — na verdade aponta para um gênero mais antigo, o Baltimore Club, também chamado de Bmore, que originou essa sonoridade. A música ETA é um exemplo nítido da influência que o produtor sul-coreano 250 buscou na trilha sonora dos clubes de Maryland nos anos 1990. A música conta com o sample quase inalterado de Samir’s Theme (1998), do DJ Debonair Samir, um clássico do gênero. Além disso, há fragmentos do característico break de Think (About It) (1972), de Lyn Collins, um elemento essencial na produção do Bmore. Para completar a combinação, a terceira faixa ainda conta com alguns sons de percussão feitos com a boca, que remetem à marca registrada do aclamado produtor norte-americano Timbaland, a exemplo do hit de Aaliyah, Are You That Somebody (2002).
Cool With You repete o estilo musical da primeira faixa e é a música que melhor mostra a sintonia vocal das cinco integrantes. Haerin, Danielle, Hyein, Hanni e Minji harmonizam entre si e se alternam nos versos, tanto no refrão quanto na ponte. O resultado são divisões de vozes quase imperceptíveis que fluem como se cada uma das vocalistas fosse uma extensão das parceiras.
A música que dá nome ao EP foge do padrão das demais e não tem nenhum elemento do breakbeat, mas ainda assim ressalta as influências americanas do produtor 250. Única faixa com letra inteira em inglês, Get Up é um R&B lento com vocais ecoantes que lembram a estética da cantora H.E.R., dona do hit Best Part (2017). A semelhança nos timbres das integrantes e a fluidez nas alternâncias fazem parecer que a música é cantada por uma pessoa só, mas as cinco vozes estão presentes.
Por fim, ASAP fecha o álbum com maestria e desafia a classificação em um gênero específico. A produção sabe utilizar bem as pausas silenciosas e, mesmo quando há som, o instrumental se mantém simples, com no máximo dois elementos diferentes tocando ao mesmo tempo. Essa abordagem permite que os vocais se destaquem e não sejam ofuscados pela melodia. O detalhe mais marcante da faixa é a repetição da partícula “Tik-tok” na voz de Hyein, que se repete por toda a música e ao longo dela deixa de cumprir o papel de um vocal e assume o de percussão, completando a atmosfera dançante da composição.
Get Up tem potencial para ser um ponto de virada no pop sul-coreano e atrair um público novo, que antes se distanciava do gênero. Esse movimento já pode ser observado na internet, a exemplo das montagens de funk das faixas ASAP e Ditto, feitas pelo produtor de rap 808 Luke, mistura que o artista chama de K-Baile. Os novos horizontes conquistados pelo grupo ajudam a diminuir o preconceito com o K-Pop e mostram-no como uma indústria criativa e cheia de possibilidades.
[Imagem de capa: Reprodução/ YouTube]