Texto produzido para a Jornalismo Júnior, empresa júnior de jornalismo vinculada à ECA-USP. Publicação original aqui.
Olimpíadas 2024 | Rayssa Leal conquista bronze em Paris com manobra decisiva
Skate street feminino foi marcado por superação, surpresas e disputas acirradas; confira a cobertura completa

por Pedro Malta
No último domingo (28), a história do skate olímpico se tornou ainda mais inseparável da história de Rayssa Leal. Em 2021, a atleta conquistou a medalha de prata na estreia da modalidade em Tóquio e se consagrou como a medalhista olímpica mais jovem da história do Brasil, aos 13 anos. Agora, aos 16, quebrou duas vezes o recorde de maior nota no skate street olímpico e alcançou o bronze em Paris. A manobra que elevou Rayssa à vitória era a última possibilidade de alcançar o pódio, depois de apenas um acerto nas quatro das cinco tentativas. 
Medalhista olímpica pela segunda vez, Rayssa exibiu feliz o prêmio nas redes sociais da Confederação Brasileira de Skateboarding [Imagem: Reprodução/ Instagram @cbskskate]
Desempenho brasileiro
Com o número máximo de atletas por delegação, o Brasil contou também com Pâmela Rosa e Gabi Mazetto no seu time. Pâmela já participa de sua segunda Olimpíada, mas Gabi estava longe das pistas na última edição dos jogos por conta de sua gravidez às vésperas da competição. Já em 2021 retornou aos campeonatos e, após superar algumas lesões, conseguiu a vaga para compor a seleção em Paris.
Pâmela competiu com uma torção no pé que ocorreu durante os treinos e não teve um rendimento tão alto durante a classificação. A lesão pareceu impedir que ela acertasse a maioria das aterrissagens, mesmo quando todo o resto da manobra era executado corretamente.
Nas duas voltas que compõem a primeira parte da competição, Pâmela não teve um bom desempenho, sem sequer ter terminado a primeira delas depois de três quedas. Já na segunda parte, que consiste em cinco manobras isoladas, a primeira manobra acertada pela atleta foi um Frontside Lipslide após duas tentativas falhadas na aterrissagem. Depois de mais uma queda na finalização da 4ª manobra, Pâmela encerrou com um Frontside Smith que a elevou para a 8ª colocação. Com duas baterias por vir e só oito vagas na final, era pouco provável que a brasileira conseguisse se classificar, mas ela mesma já parecia entender que se encerrava ali a jornada e deu seu skate para um fã na arquibancada. 

Pâmela comentou a lesão aos prantos em entrevista após a etapa classificatória, relembrando as Olimpíadas de Tóquio em que também competiu lesionada [Imagem: Reprodução/ Instagram @pamelarosaskt/ Julio Detefon]

Já Gabi Mazetto teve uma trajetória emocionante. Também com dificuldade nas aterrissagens, a skatista ainda assim teve uma primeira volta consistente, mas subiu a nota na segunda volta, caindo somente na última manobra. 
O destaque da sua participação veio nas manobras soltas, na qual Gabi trouxe um elemento essencial do skateboarding: a tentativa. Das cinco oportunidades que compõem essa etapa, a atleta usou quatro delas para acertar um Frontside Feeble. Mesmo que isso tenha significado três notas zero, cada uma das tentativas era analisada por ela junto ao técnico Roger Mancha para que, na vez seguinte, ela corrigisse o que fosse preciso e chegasse mais perto da execução perfeita. Na quarta manobra, o Feeble sem erros foi alcançado com nota 83.18 e muita comemoração por parte da brasileira e da equipe técnica. 

A classificação não aconteceu, mas Gabi Mazetto marcou seu nome na história da competição com uma jornada de superação [Imagem: Reprodução/Instagram @gabimazetto/Julio Detefon]

O começo conturbado e a volta por cima
Rayssa Leal teve sua classificação para as finais ameaçada por erros nas duas voltas das preliminares. A atleta repetiu o mesmo trajeto em ambas as linhas das classificatórias, mas trouxe movimentos que não tinham sido vistos na competição até então, como um Caballerial Boardslide no corrimão. O erro nas duas tentativas de Flip — uma manobra básica e de familiaridade para Rayssa — e uma queda no Frontside Nose Blunt da segunda volta aumentaram a preocupação da jovem, mas a dificuldade da volta somada às penalizações garantiu uma nota média.
A busca a partir disso era por notas acima de 90 nas manobras soltas para alcançar as finais. A própria Rayssa disse em entrevista pós-prova que a baixa performance nas voltas ocorreu devido à grande quantidade de pessoas no público e, por consequência, muito barulho. Vale lembrar que na última Olimpíada, ainda em um período pandêmico, os espectadores estavam em número limitado, e mesmo campeonatos mundiais de grande escala não contam com uma audiência tão grande, vide o comentário da atleta de que o público era “maior que Super Crown“. 
Rayssa, que era a primeira de sua bateria, abriu a etapa das manobras soltas com um Frontside Blunt que lhe rendeu um 85.87. Em seguida, encaixou um Frontside Boardslide entrando de Flip, que a elevou para a 5ª colocação geral já na segunda manobra. Até então na competição, somente a japonesa Coco Yoshizawa, 1ª do ranking mundial, havia executado um Flip para entrar na descida do corrimão. Duas notas altas seguidas já pareceram liberar a tensão da atleta, que estava em posição de pouco risco mas ainda não garantida na final.
A tranquilidade se revelou no feito seguinte de Rayssa. Na terceira manobra, encaixou um Backside Lipslide, novamente entrando de Flip, que garantiu a maior nota não só das preliminares, mas da história olímpica no Skate Street até então: 92.68. Apesar do recorde quebrado, a nota baixa das voltas não permitiu que ela subisse tanto na classificação. A skatista ocupou brevemente a 4ª posição mas terminou a bateria em 5º lugar. Ao fim da última bateria, garantiu a vaga na final na 7ª colocação, das 8 atletas classificadas.
A ordem em que as competidoras entram na pista segue a ordem inversa da classificação da etapa qualificatória. A primeira colocada é a última a dar a volta, assim como a última colocada abre a bateria das finais [Imagem: Reprodução/Olympics.com]
Novas voltas e a ameaça japonesa
Na disputa pelas medalhas se destacavam Coco Yoshizawa e Liz Akama, 1ª e 2ª do ranking mundial, respectivamente. O nível entre as japonesas era tão alto que, nas etapas qualificatórias para as Olimpíadas, a campeã de 2021, Momiji Nishiya, sequer conseguiu se classificar para integrar a seleção do país, tamanho o nível das conterrâneas. 
Outro destaque foi a chinesa Chenxi Cui, que liderou em pontos na sua bateria e mostrou pouca dificuldade durante sua performance. No entanto, todas as competidoras se destacaram de alguma forma e eram fortes candidatas ao pódio.
Com pontos zerados entre as concorrentes, a final é uma competição à parte e uma chance de ter um melhor desempenho independente da colocação anterior. Rayssa tirou o Flip da sua 1ª volta para evitar o mesmo erro da etapa classificatória, mas acabou errando no Backside Tailslide. Mesmo assim, acertou boas manobras e garantiu um 71.66, nível essencial para pensar na vitória. 
Funa, Liz e Chenxi caíram em manobras pontuais, com destaque para um 360 Flip, manobra inédita na competição, que Liz errou na aterrissagem. Já a volta de Coco Yoshizawa abalou a liderança de Rayssa. A japonesa fez uma linha sem erros, com manobras de nível alto para o campeonato, como dois Frontside Rockslides seguidos, o primeiro entrando de Flip e o segundo de Big Spin. A nota final foi 85.02.
Ao insistir no Flip que a derrubou duas vezes nas classificatórias, Rayssa caiu mais uma vez e decidiu terminar sua segunda volta antes dos 45 segundos, apesar de ter encaixado algumas manobras. Descartada a menor nota, a atleta seguiu com os 71.66 da primeira, assim como Chenxi Cui, que teve uma pontuação menor, ainda que muito próxima à sua primeira volta.
Funa se recuperou na segunda volta e concluiu sem erros, assim como Liz, que emplacou um 89.26, nota mais alta da final até então, e subiu para a primeira colocação. Coco Yoshizawa acertou outro Big Spin Rockslide igual ao da volta anterior e conseguiu mais uma linha impecável que superou a sua primeira, finalizando a etapa das voltas. 
Até a última manobra
Nessa última etapa, cada uma das oito competidoras tem cinco manobras, das quais as duas de maior pontuação são consideradas no resultado final e somadas à nota da melhor volta.
Após um 83.73 da americana Poe Pinson, Rayssa errou um Flip Rockslide. Chenxi acertou um Flip Melon, manobra que consiste no básico Flip com o adicional de uma segurada no skate com a mão após o giro, o que a torna mais difícil e pouco vista em competições da modalidade street. O acerto garantiu um 86.98 e a elevou à 1ª colocação.
Em seguida, Liz Akama fez a manobra mais complexa vista na competição até aquele momento. Ela já havia acertado três Rockslides durante as voltas, mas decidiu elevar mais ainda o nível e o fez de switch, isto é, com sua base — posição dos pés com que costuma andar — invertida. O artifício traz uma dificuldade na execução semelhante à enfrentada por um destro que aprende a escrever com a mão esquerda, o que rendeu um 92.62. 
Rayssa então acertou um Flip Backside Lipslide e quebrou o recorde olímpico pela segunda vez, com a pontuação 92.88. Chenxi retornou ao 1º lugar com um Flip 50-50, mas foi logo desbancada por Liz com a mesma manobra da chinesa, executada novamente de switch. Coco Yoshizawa finalizou a rodada com um Flip Frontside Rockslide de 86.34.
Poe Pinson abriu a rodada seguinte com um Backside 5-0 Grind de 88.43 pontos, mas foi a única a pontuar. Quase todas as participantes erraram suas manobras, com exceção de Chloe Covell que acertou um Frontside 50-50 mas pediu para que não fosse contabilizado. 
Apesar do bom desempenho no campeonato até ali, Poe parecia pouco preocupada com a premiação e mais com acertar as manobras que gostava. Depois de duas pontuações altas, a americana tentou um Caballerial na transição — a parte curva da pista de onde as skatistas costumam descer no início de suas rodadas — um movimento destoante de todos os vistos nessa etapa, que se concentraram nos corrimões. Com uma pontuação média na volta e nenhuma nota acima dos 90 pontos, Poe dificilmente integraria o pódio e aparentava já se contentar com isso, sempre rindo após os erros.
Na penúltima oportunidade, Rayssa chutou um Flip no ângulo errado e o skate escapou de seu pé antes mesmo de atingir o corrimão. Sem outros acertos além do seu 92.88, restava somente uma chance de pontuar e alcançar uma medalha. 
Chloe Covell e Funa Nakayama erraram suas manobras seguintes e matematicamente já não podiam mais atingir o pódio. Chenxi também errou, mas se manteve na 2ª colocação, abrindo a possibilidade de prata para Rayssa, a depender da nota da brasileira.
Coco Yoshizawa se estabeleceu como a mais forte candidata ao ouro na penúltima manobra. Um 360 Flip Rockslide de nota 96.49 foi o terceiro e último recorde olímpico quebrado no dia. Mesmo com a pressão de competir com a japonesa após isso, Rayssa superou a tensão e, na última chance, acertou um Flip Frontside Boardslide que lhe rendeu a nota 88.83. Após as últimas tentativas mal-sucedidas de Paige, Funa, Chloe e Chenxi, Rayssa garantiu o bronze e concluiu sua jornada da vitória. 
Liz Akama, a última concorrente ao ouro, também errou sua manobra e manteve a 2ª colocação com a medalha de prata. Yoshizawa, mesmo com o ouro garantido, acertou a última manobra e se consagrou campeã. No fim, depois de tantas disputas e mudanças de posição durante todo o campeonato, o pódio seguiu a classificação do ranking mundial. 
Entre as surpresas da competição, os Crookeds sem sucesso de Funa Nakayama, bronze em Tóquio, causaram estranheza por ser sua manobra de assinatura. A japonesa não acertou nenhuma das manobras soltas na final, apesar de ter tido um bom desempenho na volta de maior pontuação, assim como a australiana Chloe Covell, que estava entre as favoritas para o pódio. 

Foto de capa: [Reprodução/Instagram @cbskskate/Julio Detefon]

Veja também

Back to Top